Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Abril de 2024

O STJ e a devolução em dobro de cobrança indevida ao consumidor


O STJ afetou sob a sistemática dos recursos repetitivos (uma só decisão para vários casos sobre mesmo tema) atinente à hipótese em que o fornecedor de produto/serviço deve devolver em dobro o valor cobrado indevidamente do consumidor.

Melhor explicando a quem desconhece o tema, o art. 42, parágrafo único, do Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor assim prevê:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

O problema todo gira em torno da questão do “engano justificável”, que evoluiu, na jurisprudência, para “má-fé”. Depois, o próprio STJ alterou ligeiramente o significado para admitir devolução em dobro “quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva”.

Ou seja, nessa hipótese – que é a forma mais atual de se analisar, segundo a jurisprudência – deve ser visto se a cobrança indevida poderia acabar sendo feita, ainda que erroneamente, de modo inocente, por qualquer pessoa comum (o chamado “homem médio”, na doutrina).

Se se entender que o homem médio se enganaria e cobraria indevidamente, não há necessidade de devolução em dobro; se, porém, o homem médio fosse capaz de compreender antecipadamente o engano e evitar aquela cobrança, mas optou por mantê-la, deveria devolver em dobro essa quantia indevida. Ou seja, nesse caso invariavelmente se terá má-fé.

Agora a discussão será no sentido de definir se há necessidade de prova da má-fé do fornecedor do produto ou serviço.

Honestamente, essa discussão nos parece uma questão completamente estéril.

Em primeiro lugar, embora haja a premissa de que “a boa-fé se presume a má-fé se prova”, é justamente pela observância da conduta concreta que se nota se a pessoa está de boa ou má-fé, se seus erros são justificáveis ou não. É difícil se falar em espécie de “prova definitiva” nesse âmbito específico do direito do consumidor.

Em segundo lugar, os julgamentos sob recursos repetitivos normalmente firmam uma tese jurídica genérica que efetivamente se pode aplicar a diversos casos sobre o mesmo tema. Não é a hipótese do presente, pois será colocado algo como um “critério de avaliação de julgamento”, que não é passível de se transformar em fórmula estática e que certamente não é superior ao Princípio do Livre Convencimento Motivado.

Aliás, a depender do que se decidir, poderá a tese até mesmo atentar contra o Livre Convencimento Motivado.

Em terceiro, quem arbitrará critérios fáticos, nesse caso, será o STJ, tribunal que, segundo ele próprio diz, não discute propriamente fatos, mas apenas direito, com verdadeira adoração à Súmula nº 07, sendo citada em todo tido de situação, sendo ela aplicável ou não.

Nesse sentido, parece razoável um tribunal não afinado à colheita de provas estabelecer critérios para julgadores acostumados a isso, sendo que, independentemente do conteúdo da decisão em recurso repetitivo, não será aplicável de plano, pois necessária a interpretação em cada situação concreta?

Em quarto, a discussão que o STJ parece estar colocando se distancia completamente do próprio conteúdo da norma acima transcrita, que somente pode ser entendida como atribuição de responsabilidade objetiva também nesse âmbito ao fornecedor de produtos e serviços.

Ora, a lei determina como regra a devolução em dobro, independentemente de dolo, negligência ou imprudência do fornecedor, somente se excluindo essa hipótese em caso de “engano justificável”, ou seja, um engano tão invencível que ninguém medianamente seria capaz de evitá-lo.

Assim, pela lei, a prova da boa-fé e de engano justificável é que cabe ao fornecedor que cobra indevidamente, e não o contrário.

Embora isso nos pareça ter clareza solar, realmente não é assim no Judiciário. E nunca foi.

Sob o argumento de “vedação ao enriquecimento ilícito”, os tribunais sempre ignoraram condutas, no mínimo, desidiosas de empresas que atuam no mercado. Ora, não se deveria discutir enriquecimento nesse caso, mas reconhecer a atribuição legal de uma penalidade para tais hipóteses, estabelecida de plano pela própria lei, com o intuito de coibir condutas irresponsáveis perante os consumidores.

No entanto, admitamos, o Judiciário sempre foi muito tolerante com as empresas ofensoras, sobretudo com as obstinadas na ilegalidade.

Digo, sem medo de errar, que se essa norma legal fosse levada a sério, 99,99% dos casos de cobrança indevida deveriam ter restituição em dobro.

Não são raras as situações, por exemplo, de operadoras de telefonia que continuam a cobrar de seus clientes mesmo após a solicitação de cancelamento do serviço, como se essa solicitação nunca tivesse ocorrido.

Se é pedida a devolução em dobro, o Judiciário, por incrível que pareça, não reconhece que a empresa telefônica está de má-fé.

Como se pode admitir “boa-fé” de uma empresa que se nega a realizar o ato mais basilar de sua atividade (iniciar ou encerrar contratos), sendo que esse tipo de “erro”, coincidentemente, sempre lhe traz benefícios, lucro e crédito perante o consumidor?

Também são comuns casos de bancos que cobram de consumidores taxas que são proibidas não só pela jurisprudência, mas até pelo Banco Central. Quando é pedida a restituição em dobro, o Judiciário também acha que não há má-fé. O que é isso, então?

Aliás, o caso que o STJ julgará como representativo da controvérsia é o de uma senhora analfabeta que contestou descontos de empréstimo consignado que o banco realizou em sua conta, empréstimos esses que ela jamais contratou.

Por incrível que pareça, até aqui os tribunais que julgaram o caso determinaram a devolução simples, pois não visualizaram má-fé na conduta do banco.

É realmente chegado o tempo de se ter que explicar que o céu é azul e que a grama é verde.

Pela efetivao do punitive damage no direito brasileiro

Por Bruno Barchi Muniz - Sócio advogado no escritório Losinskas, Barchi Muniz Advogados Associados

  • Sobre o autorConsultivo e Contencioso
  • Publicações305
  • Seguidores563
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações3919
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-stj-e-a-devolucao-em-dobro-de-cobranca-indevida-ao-consumidor/1211402812

Informações relacionadas

Felipe Alves, Advogado
Notíciashá 7 anos

Devolução em dobro: veja quando o consumidor tem esse direito

Hévyla Pereira, Advogado
Modelosano passado

Ação de Repetição de Indébito c/c Indenização de Danos Morais por Cobrança Indevida

Tribunal de Justiça de São Paulo
Jurisprudênciahá 4 anos

Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação Cível: AC XXXXX-60.2020.8.26.0411 SP XXXXX-60.2020.8.26.0411

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Jurisprudênciahá 2 anos

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJ-RJ - APELAÇÃO: APL XXXXX-48.2019.8.19.0205

Rodrigo Rodrigues, Advogado
Notíciashá 8 anos

Modelo de ação de repetição de indébito c/c reparação por danos materiais e danos morais

9 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Realmente, o que se vê, na prática, é o absurdo de cobranças indevidas e contínuas, de servços cujo encerramento do contrato de prestação de serviços o próprio consumidor pediu, sem que as empresas tomem sequer conhecimento desse pedido ou fazem de conta de que nada foi pedido. Aconteceu comigo: cansada da má prestação dos serviços do "Sem Parar", cuja desistência SÓ se pode fazer através de telefonema, QUITEI a ÚLTIMA FATURA (nunca fiquei devendo um centavo para a empresa) e me dirigi a um quiosque da empresa, num shopping de Santos (onde resido), onde a própria funcionária me forneceu o número de telefone para o cancelamento. Fiz o telefonema na frente dela, a pessoa que me atendeu (um homem) confirmou o cancelamento. Entretanto, no dia seguinte, tentei protocolar uma carta formal de cancelamento, no mesmo quiosque , com a mesma funcionária que me havia atendido na véspera. Ela se recusou enfaticamente, a protocolar minha carta, até chamou o segurança do shopping que, compreendendo a situação, não lhe deu crédito e não a "socorreu".. Entretanto, guardei essa carta e consegui transmiti-la à emresa por e-mail, relatando a recusa de sua funcionária do quiosque em Santos. Mas continuei a receber cobranças continuas e até cobranças com AMEAÇAS de "constatamos que existem débitos de sua parte para com nossos serviços .......". Pura ameaça a desavisados ou menos informados. Sou advogada. Nunca me cobraram judicialmente, porque sabem que não podem fazê-lo, ainda mais em contratos de adesão, em que não restaram débitos comprovados! Anteontem, para minha surpresa, tornei a receber um desses e-mails com ameaças. Obs.: cancelei formalmente o contrato, mediante o tal telefonema, em NOVEMBRO de 2019 (quando contratei um serviço concorrente, com o qual estou super satisfeita) e, até hoje, tentam me pressionar para reativá-lo. Realmente, se tivesse algum possibilidade de ganho (mas sei que não tenho, quando muito, os juízes dizem que se "trata de mero dissabor não indenizável monetariamente"), gostaria de acionar judicialmente o "Sem Parar", para pararem de fazer jus ao seu próprio nome comercial: "SEM PARAR se fazerem cobranças INDEVIDAS! continuar lendo

Dra. Começar a postar em todas as redes sociais a cobrança deles em cima de você, demonstrando a veracidade dos fatos, mostrando o quão profissionais são esta empresa que não sabe nem cancelar no seu sistema ex usuário do seu sistema, não precisa xingar, maltratar, apenas falar e mostrar como você fica admirada com tamanho profissionalismo de empresa brasileira que novamente, novamente, etc fica a reiterar cobranças indevidas enchendo sim sua caixa postal eletrônica, whats, telefone, etc, mas para isto que existe a tecnologia para que nós possamos informar a todos o que está ocorrendo e pensem bem se é isto que venham a desejar. já que o que ocorre com um que está exibindo com quantos outros não estariam ocorrendo. è informação correta sobre a falha operacional de empresa. que demanda tempo, paciência, de desprendimento de energia para fazer outras cousas em sua vida. Faça quantos vídeos eles mandarem, você faz nova postagem com toda a elegância e respeito, mas provando o erro crasso de empresa brasileira com falha sem corrigenda, já que foi protocolado, avisado, telefonado, e agora filmado para o mundo ver a tamanha competência profissional. ou seja, se eles te enchem a panturra de um lado, você os enche do outro, até dar bastante repercussão por parte dos outros que a assistirem. é simples assim. continuar lendo

"trata de mero dissabor não indenizável monetariamente" , é odioso ler / escutar está declaração de alguém que deveria sim coibir com rigor os excessos que são abusivos , repetitivos , contínuos exatamente por ser compensador no que tange às decisões e entendimentos que no fim julgam ser os indivíduos que produzem o incomodo meros cumpridores das tarefas laborais que lhe são atribuídas, enquanto a vitima passa a vilã por ser excessivamente "rabugenta" e intolerante ..... continuar lendo

Muito boa explanação .... lamentável que nem todos os juízes entendam ... continuar lendo

Excelente artigo Doutor. parabéns... continuar lendo

O que eu mais gostei foi do número do recurso afetado como repetitivo. Muito bom. continuar lendo